Estudo mostra que o Supremo tem como resgatar a colegialidade, a clareza dos precedentes e a ética institucional sem precisar esperar que o Congresso faça alguma reforma
O STF, que deveria ser fiador do Estado de Direito, é visto por muitos como ameaça à sua integridade.
Foto: Wallace Martins/STF
O STF, que deveria ser fiador do Estado de Direito, é visto por muitos como ameaça à sua integridade. (Foto: Wallace Martins/STF)
Há tempos o Supremo Tribunal Federal (STF) deixou de ser apenas a mais alta Corte do País e se tornou um protagonista político hipertrofiado e sobrecarregado. Decisões monocráticas prevalecem sobre o debate colegiado. Inquéritos heterodoxos se arrastam por anos.
Voluntarismos interpretativos fabricam “constituições paralelas”. A pretexto de “omissões” dos outros Poderes, o STF edita leis e dita políticas públicas, precipitando corrosão institucional e repulsa social.
Parte do problema está nos vícios de origem da Constituição, que atribuiu ao STF competências tão vastas quanto difusas.
Mas a crise se deve, sobretudo, à forma como os ministros exercem esse poder. Falta sobriedade, autocontenção, respeito aos limites éticos da magistratura. Acrescente-se a isso a litigância abusiva de partidos que tentam reverter com sentenças o que perderam no voto.
Assim, o STF, que deveria ser fiador do Estado de Direito, é visto por muitos como ameaça à sua integridade. No século 20, as Forças Armadas se auto-outorgaram a tarefa de “corrigir” os rumos da política, com resultados conhecidos.
No século 21, o STF parece vestir esse figurino em versão togada: árbitro de tudo, responsável por “recivilizar” o País – à custa da erosão da democracia representativa.
Não é necessário aguardar reformas legais para sanear esse “estado de coisas inconstitucional”. Remédios urgentes estão ao alcance da Corte. Essa é a mensagem do relatório A Responsabilidade pela Última Palavra, elaborado pela Fundação FHC a partir da opinião de juristas e cientistas sociais, que propõe três eixos de reformas exequíveis por meio de resoluções internas.
O primeiro é o aperfeiçoamento do processo decisório. O STF precisa frear o ativismo de seus ministros. Isso significa restringir severamente as decisões monocráticas, delimitar pedidos de vista e devolver à colegialidade o que lhe pertence.
Significa ainda ordenar a pauta de maneira transparente e racional e reformar o plenário virtual para que seja instrumento eficiente com controle recíproco, e não de opacidade.
O segundo eixo é a qualificação do sistema de precedentes. A Corte deve falar com uma só voz. Precedentes precisam ser estáveis, compreensíveis e vinculantes, sob pena de o Tribunal se tornar uma loteria hermenêutica.
É preciso padronizar ementas, identificar com clareza a tese decisória e exigir fundamentação robusta para qualquer superação. Assim se constrói segurança jurídica e previsibilidade a cidadãos, empresas e instituições.
O terceiro eixo é o fortalecimento da reputação pública. Um Código de Conduta é indispensável: ministros não podem se expor em eventos patrocinados por atores políticos ou econômicos que litigam ou podem vir a litigar na Corte, muito menos se engajar em manifestações de militância partidária.
Regras de impedimento e suspeição precisam ser claras e respeitadas. A comunicação deve ser institucional e colegiada, não personalista. A confiança da opinião pública depende menos de declarações solenes e mais de comportamentos discretos, éticos e consistentes.
Ao assumir a presidência do STF, o ministro Edson Fachin acenou claramente nessa direção, reiterando aquele que desponta como o lema de sua gestão: “Ao Direito o que é do Direito; à política o que é da política”.
Mas, para dimensionar o tamanho do desafio, basta pensar que seu predecessor foi o “iluminista-em-chefe”, Luís Roberto Barroso, e seu sucessor será o “delegado-geral da democracia”, Alexandre de Moraes.
Cada decisão monocrática voluntarista, cada inquérito sem fim, cada gesto de arrogância institucional esfarela mais um tijolo da legitimidade da Corte. É preciso que os ministros entendam: a melhor maneira de defender o STF contra ataques externos é erradicar arbítrios internos. Se o Supremo continuar a trilhar o caminho da onipotência, deixará de ser guardião da Constituição para se tornar réu da História. (Opinião/jornal O Estado de S. Paulo)
https://www.osul.com.br/estudo-mostra-que-o-supremo-tem-como-resgatar-a-colegialidade-a-clareza-dos-precedentes-e-a-etica-institucional-sem-precisar-esperar-que-o-congresso-faca-alguma-reforma/ Estudo mostra que o Supremo tem como resgatar a colegialidade, a clareza dos precedentes e a ética institucional sem precisar esperar que o Congresso faça alguma reforma 2025-10-06
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O STF, que deveria ser fiador do Estado de Direito, é visto por muitos como ameaça à sua integridade.
Foto: Wallace Martins/STF
O STF, que deveria ser fiador do Estado de Direito, é visto por muitos como ameaça à sua integridade. (Foto: Wallace Martins/STF)
Há tempos o Supremo Tribunal Federal (STF) deixou de ser apenas a mais alta Corte do País e se tornou um protagonista político hipertrofiado e sobrecarregado. Decisões monocráticas prevalecem sobre o debate colegiado. Inquéritos heterodoxos se arrastam por anos.
Voluntarismos interpretativos fabricam “constituições paralelas”. A pretexto de “omissões” dos outros Poderes, o STF edita leis e dita políticas públicas, precipitando corrosão institucional e repulsa social.
Parte do problema está nos vícios de origem da Constituição, que atribuiu ao STF competências tão vastas quanto difusas.
Mas a crise se deve, sobretudo, à forma como os ministros exercem esse poder. Falta sobriedade, autocontenção, respeito aos limites éticos da magistratura. Acrescente-se a isso a litigância abusiva de partidos que tentam reverter com sentenças o que perderam no voto.
Assim, o STF, que deveria ser fiador do Estado de Direito, é visto por muitos como ameaça à sua integridade. No século 20, as Forças Armadas se auto-outorgaram a tarefa de “corrigir” os rumos da política, com resultados conhecidos.
No século 21, o STF parece vestir esse figurino em versão togada: árbitro de tudo, responsável por “recivilizar” o País – à custa da erosão da democracia representativa.
Não é necessário aguardar reformas legais para sanear esse “estado de coisas inconstitucional”. Remédios urgentes estão ao alcance da Corte. Essa é a mensagem do relatório A Responsabilidade pela Última Palavra, elaborado pela Fundação FHC a partir da opinião de juristas e cientistas sociais, que propõe três eixos de reformas exequíveis por meio de resoluções internas.
O primeiro é o aperfeiçoamento do processo decisório. O STF precisa frear o ativismo de seus ministros. Isso significa restringir severamente as decisões monocráticas, delimitar pedidos de vista e devolver à colegialidade o que lhe pertence.
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É preciso padronizar ementas, identificar com clareza a tese decisória e exigir fundamentação robusta para qualquer superação. Assim se constrói segurança jurídica e previsibilidade a cidadãos, empresas e instituições.
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Mas, para dimensionar o tamanho do desafio, basta pensar que seu predecessor foi o “iluminista-em-chefe”, Luís Roberto Barroso, e seu sucessor será o “delegado-geral da democracia”, Alexandre de Moraes.
Cada decisão monocrática voluntarista, cada inquérito sem fim, cada gesto de arrogância institucional esfarela mais um tijolo da legitimidade da Corte. É preciso que os ministros entendam: a melhor maneira de defender o STF contra ataques externos é erradicar arbítrios internos. Se o Supremo continuar a trilhar o caminho da onipotência, deixará de ser guardião da Constituição para se tornar réu da História. (Opinião/jornal O Estado de S. Paulo)
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2025-10-06
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